sobre “Onde estão os miseráveis”
Espetáculo com encenação de Ariel Philipe e Andréa Terra que assina a dramaturgia do mais recente trabalho do Coletivo Bichos de Teatro de Niterói.
Por Fabio Cordeiro – Artista-pesquisador.
(Doutor em Artes Cênicas. Diretor da Nonata Cia. De Arte. Curador da NEL – Nonada Escola Livre)
Espetáculo volta ao palco em novembro no Teatro Popular Oscar Niemeyer
Depois de um longo trajeto de mais de três anos de processos criativos, o trabalho fez suas primeiras apresentações no Theatro Municipal de Niterói e volta a ser apresentado no Teatro Popular nos dias 21, 27 e 28 de novembro. Trata-se de um ótimo espetáculo, carregado de afetividades e senso crítico, que se inscreve com louvor na tradição dos musicais políticos brasileiros, como os realizados pelo Teatro de Arena e Oficina, desde a década de 60 e ainda hoje. “Onde estão os miseráveis” é belo e oportuno.
A encenação do Coletivo Bichos de Teatro dialoga com a obra de Vitor Hugo ao mesmo tempo em que aborda criticamente a condição dos menos favorecidos no contexto brasileiro contemporâneo. A diferença que salta aos olhos em primeiro lugar é que se no século XIX as novas ciências sociais denunciavam o tratamento desumano que a industrialização impunha ao Proletariado (novo segmento social – pós-servidão), na atualidade o Precariado se impõe como continuidade da mesma lógica: escravidão, autoritarismo e violência como pedagogias da opressão para explorar a força física, submetendo a vontade e o pensamento do outro. A lógica da servidão se instaura nos corpos e nas mentalidades através do terror. Nesse sentido, notar as modulações de linguagem tanto na lógica autoritária como na democrática torna-se decisivo para o processo civilizatório brasileiro. A barbárie se impõe na manipulação dos signos. A cena que o espectador encontra em “Onde estão os miseráveis” reafirma a via coletiva como caminho de construção social e artístico. No espetáculo, essa perspectiva é desdobrada via coralidade, ora como cenografia de corpos organizados construindo imagens estáticas, ora como coreografias em momentos musicais (coletivos e solistas) onde a grande quantidade de artistas envolvidos ganha voz e ressonância na plateia. Na apresentação que presenciei foi visível o envolvimento emocional e a resposta vibrante dos espectadores, curiosamente em um Theatro construído no século XIX.
O espetáculo é repleto de procedimentos paródicos (do grego párodos: canto paralelo e passagem lateral para entradas e saídas do coro). A dramaturgia não faz uma paródia, mas Andréa Terra dispõe lado a lado a nossa realidade com o texto de Vitor Hugo, concluído três décadas depois da “Batalha de Hernani”, ocorrida na estreia em 1830 de seu texto “Hernani” (um não nascido, non-nata ou nonada). Naquela noite os espectadores aos berros e sopapos se dividiram entre classicistas e românticos, estes defendendo a estética moderna onde o gênio criador é senhor de suas escolhas, é sujeito que tem autonomia para ler o mundo e transformar suas leituras em obras inovadoras, livre das regras clássicas. A obra do escritor francês é bastante marcada pela figuração do “zé ninguém”, tal como o Woyzeck de Büchner ou os idiotas de Gógol e Dostoiévski.
“Onde estão os miseráveis” reafirma o sentido etimológico de plateia (do latim: local para batalhas) ao retratar através da teatralidade das formas corais o jogo perverso entre explorados (nonadas) e opressores (burgueses) de outrora e agora. O amigo-leitor tem muito a ganhar em sua leitura de mundo quando estiver na plateia como espectador da encenação do Coletivo Bichos de Teatro, um coro emancipado que nos interroga sobre nossos tempos miseráveis. Afinal, como se vê no título, não é necessário perguntar, todos sabem onde a miséria está e como ela se organiza para permanecer.
Mas até quando?
(Texto: Fabio Cordeiro. Fotos: Luiza Nasciutti. Realização: Coletivo Bichos de Teatro)
SINOPSE
Releitura do musical “Os miseráveis” com um olhar impactado pela dura realidade do nosso tempo. Acompanha a jornada de pessoas comuns para sobreviver, apesar de todas as dificuldades e injustiças sociais.
SERVIÇO
Onde estão os miseráveis
Gênero: Teatro musical
Temporada: 21, 27 e 28 de outubro, às 20h.
Duração: 90 minutos
Classificação indicativa: 16 anos
Ingresso: R $ 30,00
Onde: Teatro Popular Oscar Niemeyer. Rua Jornalista Coelho Neto, s / n. Telefone (21) 2613-2613.
EQUIPE DE CRIAÇÃO: “ONDE ESTÃO OS MISERÁVEIS”
Encenação Andréa Terra e Ariel Philippe
Dramaturgia Andréa Terra
Dramaturgia musical Pedro Lopes e Andréa Terra
Participação no argumento Rafael Ferreira
Assistentes de direção Aninha Pessa, Ariell Fonseca e Wesley Carneiro
Direção musical e preparação vocal Dani Calazans (2017) / Alessandra Quintes (2018)
Assistente de direção musical e preparação vocal André Grabois
Equipe de direção de arte Ariel Philippe, Ariell Fonseca, Felippe Ronan, Jordana Corrêa, Julia Onofre, Lino Naderer, Mayra Barroso, Renato Pinheiro
Pianista Ariel Donato
Concepção de iluminação Ariel Philippe
Equipe de iluminação Julia Onofre e Lino Naderer
Diretor técnico Silas Mendes
Operador de som Leo Pecattu e Silas Mendes
Composições originais Claude-Michel Schönberg
Assessoria de imprensa Matheus Zanon
Elenco
Ana Paula Figueiredo
Aninha Pessa
Andréa Terra
Ariel Philippe
Ariell Fonseca
Bianca Pontes
Bianca Paysan
César Salomão
Erika Mourão
Felippe Ronan
Flavio Trolly
Fraya Hippertt
Jen Mou
Jordana Corrêa
Kamylla Duarte
Lino Naderer
Luan Zhaski
Luis Felipe Dormow
Nathalia Rodrigues
Renato Pinheiro
Solange Electo
Thomás Rodrigues
Thuane Ribeiro
Wallace Farias
Wesley Carneiro
Withe Vianna
Produção executiva Coletivo Bichos de Teatro
Produtores encarregados Julia Onofre, Deilza Santos e Mateus Pessa