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O Sr. Rosa e a cena da leitura

25 set

Por Fabio Cordeiro |

Veja: no título, ele usa “Grande” para se referir ao “Sertão”. Veredas são caminhos estreitos. O livro começa com um travessão (ou seja: é uma conversa que já estava acontecendo, e o leitor acompanha a prosa em andamento; em fluxo, do rio ou da vida) encontrando a palavra Nonada… que é oposta ao Grande. O Sertão ao mesmo tempo é o interior do país como também é dentro de quem fala, escreve… ou seja… é invenção subjetiva.

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Riobaldo, o narrador, é artífice de uma poética da leitura. Leitura que se faz de si, do mundo, dos livros; dicionários, significados, imagens, etc. Jagunço letrado, quando jovem foi professor. Na presença de um ouvinte urbano, o sertanejo do interior mostra sua capacidade e domínio com o manejo das palavras, entre sabedoria e poesia, força e fragilidade, grandiosidades e miudezas, coragens e valentias. Riobaldo quando fala no presente da narrativa relê não somente a sua história como a nossa, enquanto país independente no tempo das primeiras décadas da República, escravocrata e miliciano, longe dos dias democráticos, vividos na época da publicação de Grande Sertão (1956), com a recente eleição do também mineiro, e médico, Juscelino Kubitschek.

Ler é um exercício de abertura para ouvir o outro, o que o outro tem a dizer. Então, a cena da leitura é uma cena que valoriza o exercício de escutar e imaginar. Quando lemos fabricamos cenas imaginárias, compomos. Na primeira linha, o travessão. Na última, muitas páginas depois, a palavra travessia.  Ninguém atravessa o mesmo rio sendo o mesmo duas vezes, conforme o antigo grego Heráclito. Tudo o que Riobaldo diz não é relato científico, uma descrição do passado, mas poesia metafísica. Riobaldo é poeta e ator de suas memórias envelhecidas. Ele é fluxo constante de releituras.

Como teatralizar a cena da leitura?

Em 2002, como diretor assistente participei da teatralização de A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, estreando no CCBB RJ. Em cena, um solo de Mariana Lima, com a direção de Enrique Diaz, figurinos de Marcelo Olinto, cenografia de Marcos Pedroso, iluminação de Guilherme Bonfanti, vídeos de Carolina Jabor e trilha sonora de Marcelo Alonso Neves. Era um solo, sim. Mas aconteciam momentos em que ela desaparecia. O espectador ficava com a luz… a música…o vídeo… ou com a voz em off, sem ela na tela… mas depois aparecia, sumia e voltava pro espaço cenográfico.

No projeto Grande Sertão: uma leitura por veredas a concepção está mais próxima dessa teatralidade, desse tipo de composição de linguagens. Não faremos um recital, com o ator declamando lindamente trechos cheios de bonitezas retiradas do livro. Não é essa a proposta. Em nossa concepção, da Nonata Cia. de Arte (Carlos Mattos e Fabio Cordeiro), a proposta é “colocar” Riobaldo em cena de maneiras espetaculares.  Riobaldo é e não é. Ele é jagunço e professor, é o demo e o amor, é Diadorim ou Otacília? Como narrador que atua em um monólogo é também um contador de histórias, um cantador de “causos”, um ator criando seu teatro. Convidamos Jackson Antunes, mineiro que vem do interior, onde parte da história do Grande Sertão acontece. Lá, no circo, ele falava textos literários, poéticos, no picadeiro.

Como teatralizar a cena da leitura?

 

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Publicado por em 25 25America/Sao_Paulo setembro 25America/Sao_Paulo 2016 em GRANDE SERTÃO

 

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