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tempos miseráveis?

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sobre “Onde estão os miseráveis”

Espetáculo com encenação de Ariel Philipe e Andréa Terra que assina a dramaturgia do mais recente trabalho do Coletivo Bichos de Teatro de Niterói.

Por Fabio Cordeiro – Artista-pesquisador.

(Doutor em Artes Cênicas. Diretor da Nonata Cia. De Arte. Curador da NEL – Nonada Escola Livre)

 

Espetáculo volta ao palco em novembro no Teatro Popular Oscar Niemeyer

Depois de um longo trajeto de mais de três anos de processos criativos, o trabalho fez suas primeiras apresentações no Theatro Municipal de Niterói e volta a ser apresentado no Teatro Popular nos dias 21, 27 e 28 de novembro. Trata-se de um ótimo espetáculo, carregado de afetividades e senso crítico, que se inscreve com louvor na tradição dos musicais políticos brasileiros, como os realizados pelo Teatro de Arena e Oficina, desde a década de 60 e ainda hoje. “Onde estão os miseráveis” é belo e oportuno.

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A encenação do Coletivo Bichos de Teatro dialoga com a obra de Vitor Hugo ao mesmo tempo em que aborda criticamente a condição dos menos favorecidos no contexto brasileiro contemporâneo. A diferença que salta aos olhos em primeiro lugar é que se no século XIX as novas ciências sociais denunciavam o tratamento desumano que a industrialização impunha ao Proletariado (novo segmento social – pós-servidão), na atualidade o Precariado se impõe como continuidade da mesma lógica: escravidão, autoritarismo e violência como pedagogias da opressão para explorar a força física, submetendo a vontade e o pensamento do outro. A lógica da servidão se instaura nos corpos e nas mentalidades através do terror. Nesse sentido, notar as modulações de linguagem tanto na lógica autoritária como na democrática torna-se decisivo para o processo civilizatório brasileiro. A barbárie se impõe na manipulação dos signos. A cena que o espectador encontra em “Onde estão os miseráveis” reafirma a via coletiva como caminho de construção social e artístico. No espetáculo, essa perspectiva é desdobrada via coralidade, ora como cenografia de corpos organizados construindo imagens estáticas, ora como coreografias em momentos musicais (coletivos e solistas) onde a grande quantidade de artistas envolvidos ganha voz e ressonância na plateia. Na apresentação que presenciei foi visível o envolvimento emocional e a resposta vibrante dos espectadores, curiosamente em um Theatro construído no século XIX.

O espetáculo é repleto de procedimentos paródicos (do grego párodos: canto paralelo e passagem lateral para entradas e saídas do coro). A dramaturgia não faz uma paródia, mas Andréa Terra dispõe lado a lado a nossa realidade com o texto de Vitor Hugo, concluído três décadas depois da “Batalha de Hernani”, ocorrida na estreia em 1830 de seu texto “Hernani” (um não nascido, non-nata ou nonada). Naquela noite os espectadores aos berros e sopapos se dividiram entre classicistas e românticos, estes defendendo a estética moderna onde o gênio criador é senhor de suas escolhas, é sujeito que tem autonomia para ler o mundo e transformar suas leituras em obras inovadoras, livre das regras clássicas. A obra do escritor francês é bastante marcada pela figuração do “zé ninguém”, tal como o Woyzeck de Büchner ou os idiotas de Gógol e Dostoiévski.

“Onde estão os miseráveis” reafirma o sentido etimológico de plateia (do latim: local para batalhas) ao retratar através da teatralidade das formas corais o jogo perverso entre explorados (nonadas) e opressores (burgueses) de outrora e agora. O amigo-leitor tem muito a ganhar em sua leitura de mundo quando estiver na plateia como espectador da encenação do Coletivo Bichos de Teatro, um coro emancipado que nos interroga sobre nossos tempos miseráveis. Afinal, como se vê no título, não é necessário perguntar, todos sabem onde a miséria está e como ela se organiza para permanecer.

Mas até quando?

(Texto: Fabio Cordeiro. Fotos: Luiza Nasciutti. Realização: Coletivo Bichos de Teatro)

SINOPSE

Releitura do musical “Os miseráveis” com um olhar impactado pela dura realidade do nosso tempo. Acompanha a jornada de pessoas comuns para sobreviver, apesar de todas as dificuldades e injustiças sociais.

SERVIÇO

Onde estão os miseráveis

Gênero: Teatro musical

Temporada: 21, 27 e 28 de outubro, às 20h.

Duração: 90 minutos

Classificação indicativa: 16 anos

Ingresso: R $ 30,00

Onde: Teatro Popular Oscar Niemeyer. Rua Jornalista Coelho Neto, s / n. Telefone (21) 2613-2613.

 

EQUIPE DE CRIAÇÃO: “ONDE ESTÃO OS MISERÁVEIS”

 Encenação       Andréa Terra e Ariel Philippe

Dramaturgia     Andréa Terra

Dramaturgia musical         Pedro Lopes e Andréa Terra

Participação no argumento      Rafael Ferreira

Assistentes de direção     Aninha Pessa, Ariell Fonseca e Wesley Carneiro

Direção musical e preparação vocal         Dani Calazans (2017) / Alessandra Quintes (2018)

Assistente de direção musical e preparação vocal  André Grabois

Equipe de direção de arte         Ariel Philippe, Ariell Fonseca, Felippe Ronan, Jordana Corrêa, Julia Onofre, Lino Naderer, Mayra Barroso, Renato Pinheiro

Pianista             Ariel Donato

Concepção de iluminação        Ariel Philippe

Equipe de iluminação       Julia Onofre e Lino Naderer

Diretor técnico Silas Mendes

Operador de som     Leo Pecattu e Silas Mendes

Composições originais    Claude-Michel Schönberg

Assessoria de imprensa           Matheus Zanon

Elenco

Ana Paula Figueiredo

Aninha Pessa

Andréa Terra

Ariel Philippe

Ariell Fonseca

Bianca Pontes

Bianca Paysan

César Salomão

Erika Mourão

Felippe Ronan

Flavio Trolly

Fraya Hippertt

Jen Mou

Jordana Corrêa

Kamylla Duarte

Lino Naderer

Luan Zhaski

Luis Felipe Dormow

Nathalia Rodrigues

Renato Pinheiro

Solange Electo

Thomás Rodrigues

Thuane Ribeiro

Wallace Farias

Wesley Carneiro

Withe Vianna

Produção executiva Coletivo Bichos de Teatro

Produtores encarregados        Julia Onofre, Deilza Santos e Mateus Pessa

 
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Publicado por em 19 19America/Sao_Paulo novembro 19America/Sao_Paulo 2018 em PRIMEIRO CADERNO

 
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19 a 19: um balanço poético.

 

Por Fabio Cordeiro

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19 de janeiro a 19 de maio.

No início do ano, ao participar de uma aula na UFF como palestrante, conheci Maria Fernanda, estudante de produção. Naquela data, possuía 19, hoje 20 anos de idade.

Ela me incentivou a fazer Insulto ao Público, texto sobre o qual fui falar.

Cai nessa “armadilha”.

E fiz um trajeto investigativo com o texto novamente.

Dessa vez, aproveitando todo o acúmulo de releituras e soluções de encenação que fui encontrando ao longo dos anos, entre 2004 e 2012, para colocar-me como performer.

Vocação. Movimento de dar voz ao seu propósito na vida.

Vocalizar. Vocalizei solo um texto escrito para quatro oradores.

Transformando em voz um texto tão lido, relido e escutado por mim, vivi o processo mais solitário até agora em minha trajetória de mais de 20 anos convivendo com coletivos de criação.

Como sempre, contei com a interlocução de Carlos Mattos, meu associado na Companhia.

Mas realizei tudo muito sozinho do ponto de vista físico. Até encontrar os nove espectadores que se dispuseram a comparecer na Scuola di Cultura.

Foram três dias (chuvosos) de ensaio aberto.

No primeiro dia, sete simpáticos e disponíveis.

No segundo dia, ninguém. Nonada.

Ensaio assim mesmo, aproveito o espaço e o tempo ali.

Terceiro dia, duas espectadoras. Uma senhora e uma jovem.

No dia 19 de maio foi diferente. Foi quando conheci Giovanna.

De um lado, uma senhora assídua frequentadora das atividades teatrais na cidade.

A palavra repetida por ela para se referir ao nosso trabalho: “diferente”.

Nosso trabalho: meu, de Peter Handke, dos espectadores presentes.

Do outro lado, a jovem. Ela demonstrou ser amante das artes.

Durante a “função” e na roda de nossa conversa.

Estudante de direção na UNI-RIO, como ela disse, de design na PUC.

As conversas realizadas após Insulto ao Público foram todas bem dialógicas, cheias de trocas e sorrisos.

Engana-se quem lê Insulto no título esperando agressões.

O espetáculo que realizo, em solo de teatro, esvazia a potência da agressão.

A finalidade ali é o jogo da reflexão. Refletimos uns nos outros. Espantar os ódios. Atrair o pensamento de modo lúdico.

Na sexta-feira seguinte, voltei ao local do “crime”. Ou da investigação.

Fui assistir uma leitura de Tennessee Williams.

Zoo de Vidro, ou À margem da vida.

Quando fiz prova para reingresso no curso de direção da UNIRIO escolhi uma cena dessa peça.

A mãe volta da rua depois de descobrir que sua filha não frequentava mais o curso de datilografia. Eu também não frequentei o curso de direção. Segui meu rumo pesquisando processo, autoria e formas corais na pós-graduação.

Em À Margem da vida (prefiro essa tradução teatral a uma tradução “literal”), o poeta se faz narrador e personagem, como em certas peças de Shakespeare.

Referência citada no próprio texto por diferentes modos.

A tradução do etos através do corpo; como se vê no problema da perna na irmã do poeta-narrador que reflete sua dificuldade de caminhar pela vida, assim como a corcunda de Ricardo III reflete sua falha de caráter.

O texto de Insulto ao Público é de 1966. Não há personagens. Nem narradores. Não há perguntas, nem o pronome eu. Somente “Nós”.

Tempo da Revolução Cultural na China. Tempo de passeatas nas ruas pelo mundo.

Vietnã. Homem na lua. O rei da vela do Teatro Oficina.

Em 1967 João Rosa assumia sua cadeira na ABL. Logo depois morria.

Maio de 1968. Contracultura. Ditadura militar por todo canto.

Peter Handke, o autor de Insulto ao Público, Grito de Socorro e Kaspar, nasceu na Áustria em uma região montanhosa e de fronteira entre a antiga Iugoslávia e a Itália.

Sua arte também é de fronteira.

Como foi a do Sr. Rosa, diplomata que cuidava dos assuntos de fronteira.

Os textos teatrais de Handke da década de 1960 são considerados marcantes para um novo panorama estético, chamado por Hans-Thies Lehman de pós-dramático por não corresponder mais a parâmetros da tradição literária dramática. Ou épica, como se encontra na obra de Tennessee Williams.

Handke chama essas obras de peças-faladas.

Ele retoma os antigos gregos, como Ésquilo, condensando o fenômeno teatral em sua realidade fática, como enunciação coletiva compartilhada e figurada pela presença do coro.

Jogo coral é também um traço marcante em Insulto ao Público. “Formas corais contemporâneas” foi tema de meu pós-doutorado sobre o teatro de Antunes Filho e Enrique Diaz. Diaz: parceiro-mestre-poeta da cena com quem comecei a fazer teatro.

Em Handke, encontramos a coralidade em meio a uma instância monológica; a singular voz do autor se coloca entre as palavras dos oradores marcando seu ponto de vista enquanto presença crítica ao seu tempo histórico, teatral e literário. “A nossa opinião não precisa coincidir com a do autor” (diz ele em Insulto ao Público). Teatralidade de falas, do jogo de palavras; um laboratório da escuta; das energias corporais.

A tradução que utilizo é a de George Bernard Sperber. Ele é casado com Suzi Sperber, brilhante pesquisadora da obra de Guimarães Rosa.

Simone Homem de Mello em conversa realizada em 2004 como o escritor austríaco confirma ser Handke leitor-admirador de Euclides da Cunha e Guimarães Rosa. A Perda da Imagem ou através da Sierra de Gredos remeteu sua tradutora ao Grande sertão: veredas “pela similaridade do ermo de Gredos com o sertão de Diadorim”, entre outros aspectos que eu, leitor, também percebo.

Em A Perda da Imagem há uma triangulação entre leitor, autor-poeta e sua musa-objeto da escrita. Ela, uma banqueira. Diadorim, guerreira. A escrita é porosa e permeável ao lugar que descreve; aos corpos ausentes que evoca.

“Quanto mais vigoroso o apelo por unidade, mais forte o eco, querendo dizer: separação, para sempre. Não apenas luto: dor, à beira do grito; dor de não-poder-ficar-junto-para-sempre. E foi assim que joguei fora, pelo teto do carro, a asa de falcão apanhada na floresta aluída pelo vendaval.” (Handke, A Perda da imagem, p. 165).

Dia-dor-im. Dor que se carrega dentro dia após dia.

Essa dor de “não-poder-ficar-junto-para-sempre” é que mobiliza Riobaldo, poeta narrador de si mesmo para inventar a memória de suas narrativas literárias.

Essa dor, que é de todo-mundo, é minha também.

Meu relacionamento amoroso (com uma moça chamada Bárbara) durou 19 anos, não chegou a 20 como a jovem Maria Fernanda. Moça que leva o primeiro nome de minha filha. Maria Luiza. Moça que carrega em seu segundo nome o primeiro nome da mãe da Giovanna Sassi (minha interlocutora no dia 19 de maio). Filha de Fabrizio. Eu, Fabio, o Cordeiro que não retira pecado nenhum do mundo. Maria Luiza significa “rainha guerreira”.

Como diz Riobaldo (e seus heterônimos Tatarana e Urutú Branco): “Diadorim é a minha neblina”. Ou: “O sertão é dentro”.

Dessa obra retiramos Nonada, que inicia, permeia e conclui o livro do Sr. Rosa. E a companhia fundada em 2004 (ano de meu casamento), com a primeira montagem de Insulto ao Público, teve que mudar de nome por imposição de um advogado detentor dos direitos autorais de “Nonada” (e do Grande Sertão). Para não virar nada, transformou-se em Nonata. Que vem do latim res-non-nata, assim como res-publica. Não por acaso a narrativa de Riobaldo é circunscrita pelo tempo da proclamação da República.

Como diz Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro, “nonadas” eram os que não eram nascidos em prole abastada, nem portugueses, nem índios ou negros; os mestiços, filhos da terra do pau-brasil. Non-nata. Não nascido é o novo, o que ainda não foi visto. Portanto, é a obra por ser inventada. É também a brasilidade em construção.

Nonata Cia de Arte segue adiante pelas veredas do amor pela criação poética.

Com gratidão e generosidade na “partilha do sensível”,

escrevendo novas linhas, novas cenas.

 
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Publicado por em 3 03America/Sao_Paulo junho 03America/Sao_Paulo 2017 em GRANDE SERTÃO, Insulto ao Público, NOTAS DE PERCURSO

 
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Insulto ao Público na Scuola di Cultura

HOJE TEM !!

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Em Insulto ao Público (ensaio aberto) não tratamos o espectador como cliente.
Não há pagamento pelo ingresso.
Todos entram (com o limite de 20 por ensaio aberto).
A contribuição é voluntária e a medida é definida pelo desejo ou a impossibilidade de contribuir.
A sua presença é a contribuição mais necessária.
“Sem a sua presença, falaremos no vazio”.
Ao enunciar que aceito contribuições estou afirmando que não é filantropia, existem custos e necessidades.
E eu preciso continuar! A contribuição é muito mais para a continuidade do trabalho, um processo da Nonata Cia. de Arte, do que para pagar por um produto prontamente entregue ao consumidor.
 
Quero agradecer.
Não faria sem o apoio valioso da Scuola di Cultura, sem a ajuda do Fabrizio Sassi e do Victor Salzeda.
Não faria sem o apoio de Carlos Mattos, também produtor da Nonata Cia. de Arte.
Sem meus pais, também não faria.
 
Desde o início da minha trajetória no teatro buscava em algum momento do espetáculo olhar diretamente para o espectador. Buscava olhar um por um, buscava encontrar o olhar de cada um ali.
Nas duas encenações que dirigi em 2004 e 2012 não fiz nenhuma roda de conversa ao final do espetáculo.
Na terceira e última encenação o objetivo principal é chegar ao momento dessa conversa para finalizar o encontro.
 
Fazer do agora uma Ágora.
 
Até já. Abraços a todos !!
Fabio Cordeiro
 

INSULTO AO PÚBLICO

ensaio aberto & roda de conversa.

HOJE. 20hs. Scuola di Cultura, São Francisco, Niterói.
Av. Presidente Roosevelt, 1063.
Telefone: 3629-1063
Flyer Ensaio Aberto para Divulgar
 
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Publicado por em 12 12America/Sao_Paulo maio 12America/Sao_Paulo 2017 em Insulto ao Público

 
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Ensaio aberto: Insulto ao Público

 

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Em janeiro estive na UFF, participei da última aula de um curso da pesquisadora Martha Ribeiro.

Fui conversar sobre Insulto ao Público.

E lá e em casa li novamente. Li e me ouvi novamente.

Fiquei instigado.

Agora retomo minha leitura encenada em situação completamente diferente.

Sem elenco. Seria eu ali um ator? Eu? Não! Ele!

Não seria ele o encenador? Só presenciando pra saber.

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Só. E no Teatro. Sem a sua presença falarei no vazio. Mesmo. Farei feito o ator italiano Giovanni Mongiano e seu “Improvisações de um ator que lê”.

A conexão italiana anda intensa. Estarei na Scuola di Cultura, na Sala Pirandello.

O teatro dentro do teatro. Humorismo e melancolia.

Como diz Italo Calvino:

“Assim como a melancolia é a tristeza que se tornou leve, o humor é o cômico que perdeu peso corpóreo”

Farei a leitura encenada de Insulto ao Público investigando modos de falar entre humor e  jogo cênico.

Terceira versão. Final cut. Três dias de Ensaio aberto.

Falarei no vazio? Ser espectador hoje: como filtrar, como respirar o que vem de fora?

“Os senhores são o tema. Os senhores estão na mira. É dos senhores que pula a faísca para nós.”

“Este é um jogo de palavras.”

Texto: Peter Handke. Tradução: George Bernard Sperber.

Arte visual: Carlos Mattos. Fotos: Rafaela Freitas e Fabio Cordeiro

Participação: Pedro Paulo Rangel.

Encenação: Fabio Cordeiro

MAIO. SEXTAS. 20H. 05, 12 e 19. SCUOLA DI CULTURA. SÃO FRANCISCO. NITERÓI.

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Publicado por em 16 16America/Sao_Paulo abril 16America/Sao_Paulo 2017 em Insulto ao Público

 
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O Sr. Rosa e a cena da leitura

Por Fabio Cordeiro |

Veja: no título, ele usa “Grande” para se referir ao “Sertão”. Veredas são caminhos estreitos. O livro começa com um travessão (ou seja: é uma conversa que já estava acontecendo, e o leitor acompanha a prosa em andamento; em fluxo, do rio ou da vida) encontrando a palavra Nonada… que é oposta ao Grande. O Sertão ao mesmo tempo é o interior do país como também é dentro de quem fala, escreve… ou seja… é invenção subjetiva.

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Riobaldo, o narrador, é artífice de uma poética da leitura. Leitura que se faz de si, do mundo, dos livros; dicionários, significados, imagens, etc. Jagunço letrado, quando jovem foi professor. Na presença de um ouvinte urbano, o sertanejo do interior mostra sua capacidade e domínio com o manejo das palavras, entre sabedoria e poesia, força e fragilidade, grandiosidades e miudezas, coragens e valentias. Riobaldo quando fala no presente da narrativa relê não somente a sua história como a nossa, enquanto país independente no tempo das primeiras décadas da República, escravocrata e miliciano, longe dos dias democráticos, vividos na época da publicação de Grande Sertão (1956), com a recente eleição do também mineiro, e médico, Juscelino Kubitschek.

Ler é um exercício de abertura para ouvir o outro, o que o outro tem a dizer. Então, a cena da leitura é uma cena que valoriza o exercício de escutar e imaginar. Quando lemos fabricamos cenas imaginárias, compomos. Na primeira linha, o travessão. Na última, muitas páginas depois, a palavra travessia.  Ninguém atravessa o mesmo rio sendo o mesmo duas vezes, conforme o antigo grego Heráclito. Tudo o que Riobaldo diz não é relato científico, uma descrição do passado, mas poesia metafísica. Riobaldo é poeta e ator de suas memórias envelhecidas. Ele é fluxo constante de releituras.

Como teatralizar a cena da leitura?

Em 2002, como diretor assistente participei da teatralização de A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, estreando no CCBB RJ. Em cena, um solo de Mariana Lima, com a direção de Enrique Diaz, figurinos de Marcelo Olinto, cenografia de Marcos Pedroso, iluminação de Guilherme Bonfanti, vídeos de Carolina Jabor e trilha sonora de Marcelo Alonso Neves. Era um solo, sim. Mas aconteciam momentos em que ela desaparecia. O espectador ficava com a luz… a música…o vídeo… ou com a voz em off, sem ela na tela… mas depois aparecia, sumia e voltava pro espaço cenográfico.

No projeto Grande Sertão: uma leitura por veredas a concepção está mais próxima dessa teatralidade, desse tipo de composição de linguagens. Não faremos um recital, com o ator declamando lindamente trechos cheios de bonitezas retiradas do livro. Não é essa a proposta. Em nossa concepção, da Nonata Cia. de Arte (Carlos Mattos e Fabio Cordeiro), a proposta é “colocar” Riobaldo em cena de maneiras espetaculares.  Riobaldo é e não é. Ele é jagunço e professor, é o demo e o amor, é Diadorim ou Otacília? Como narrador que atua em um monólogo é também um contador de histórias, um cantador de “causos”, um ator criando seu teatro. Convidamos Jackson Antunes, mineiro que vem do interior, onde parte da história do Grande Sertão acontece. Lá, no circo, ele falava textos literários, poéticos, no picadeiro.

Como teatralizar a cena da leitura?

 

LEIA mais >> “Existe é homem humano”

 
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Publicado por em 25 25America/Sao_Paulo setembro 25America/Sao_Paulo 2016 em GRANDE SERTÃO

 
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O ensaio como discurso cênico (A Cia. dos Atores de A Bao A Qu)

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Susana Ribeiro, Enrique Diaz, Marcelo Olinto e Fabio Cordeiro em palestra apresentada no ciclo de vídeos “Mostra de Teatro Brasileiro Filmado” como parte da programação do 3o Encontro Questão de Crítica (2015).

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LEIA >>

o texto que escrevi antes, durante e depois da palestra >> baixando gratuitamente o livro >> 3 Encontro Questão de Crítica

O estudo se baseia em palestra realizada no Espaço Sesc de Copacabana e aborda a presença de traços ensaísticos na estrutura formal de A Bao A Qu (um lance de dados), realização que marca o período de fundação da Cia. dos Atores, e sua trajetória posterior com mais de 30 anos de existência, configurando-se como um dos conjuntos brasileiros mais importantes na passagem para o século XXI.

VEJA >>

https://vimeo.com/134978218

 

Em 2016 completou-se 10 anos da publicação do livro que ajudei a idealizar, organizar, pesquisar, entrevistar, escrever e editar…. “na companhia dos atores”…

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A COMPANHIA DOS ATORES… na época do lançamento do livro… completando 18 anos de trajetórias…dsc_7331-suzana-ribeiro-cesar-augusto-bel-garcia-enri-638x350

 
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Publicado por em 22 22America/Sao_Paulo setembro 22America/Sao_Paulo 2016 em NOTAS DE PERCURSO

 
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LENDO POR VEREDAS 

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foto de Anderson Dias (em Porto da Folha, ilha do Ouro, próximo ao Rio S. Francisco)

Por Fabio Cordeiro

“Ao que vim ajustar são propostas. Ao salvo e lucro das nulas partes. As ambas. Caso se Ossa Seoria se concorde…” (Guimarães Rosa, Grande Sertão: veredas, p. 361)

O roteiro de Grande Sertão: uma leitura por veredas, em processo de elaboração, seleciona trechos do livro de Guimarães Rosa, tendo em vista o grande número de páginas do original, de acordo com a proposta de apresentar uma leitura em voz alta que teatraliza no espaço cênico suas partes mais marcantes.

Como a intenção é oferecer uma experiência lúdica e provocar no espectador o desejo de ler nossa literatura, busca-se a síntese sem incorrer na redução de seus conteúdos e formas literárias mais singulares. O caminho que se impõe é o da concentração, ao mesmo tempo, com o compromisso de compactar sem tornar superficial. O roteiro não procura dar conta de tudo, por ser tarefa inviável para uma apresentação pública de pouco mais de uma hora de duração. Além de cortar muitos trechos não se efetiva maiores interferências no texto do Senhor Rosa. Em meu processo de edição não modifico a ordem em que aparecem as frases. Tomo o cuidado de não alterar seu estilo como escritor, evitando dentro do possível alterar detalhes de sua narrativa. Ao mesmo tempo, é como se ouvíssemos os trechos (aos pulos ou galopes) avançando sem perceber as ausências das partes retiradas. A fragmentação do original está sendo mantida.

Sua estrutura lembra a de uma espiral, em que assuntos, personagens, memórias e diálogos retornam, voltam e desaparecem novamente, voltando a ecoar nas falas do narrador envelhecido, quando se dirige a seu interlocutor silencioso. Seria a figuração do escritor e do leitor que são convidados a recriar na imaginação o universo do sertão dos jagunços, suas guerras, sua miséria e riqueza, seus amores e suas vinganças. O que fornece unidade narrativa tanto ao livro quanto ao roteiro do espetáculo da Nonata Cia. de Arte é o encontro entre Riobaldo com o senhor doutor, seu ouvinte, metáfora para a presença do leitor e espectador. Na leitura sonorizada, essa relação se transforma com a presença de um ator que ao conversar com o público, lendo as palavras de Rosa, acaba assumindo comportamentos diferentes, mais teatrais, que vão além do simples ato de ler.

Na pós-modernidade, Ser e não Ser toma o lugar da questão. “Tudo é e não é”, como afirma Riobaldo, personagem do Senhor Rosa, que assim “teatraliza” através de um monólogo a própria história. De certo modo, há em Grande Sertão uma defesa crítica do mundo letrado como modo de superação da barbárie, representada pelos jagunços, personagens marginais. Conhecer é saber como aumentar a própria potência de agir. Assim, Riobaldo navega por seus pensamentos ao mesmo tempo em que recria, inventando como um poeta, aquilo que aparentemente viveu, retoma suas memórias do tempo da primeira república, entre veredas e batalhas pelo sertão brasileiro, para falar de seus amores e sabedorias adquiridas com o tempo vivido.

“Existe é homem humano”

 
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Publicado por em 19 19America/Sao_Paulo setembro 19America/Sao_Paulo 2016 em GRANDE SERTÃO

 
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“Existe é homem humano”

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Riobaldo é poeta e narrador de si mesmo; inventa sendo ele mesmo uma invenção poética. O personagem de João Guimarães Rosa é filho bastardo e único herdeiro de um fazendeiro no interior mineiro, ex-combatente entre jagunços e coronéis de um tempo que aparentemente acabou em nossa cultura. Em alguns momentos do romance aparece a expressão Nonada. Já na primeira linha. É comum pensar que a palavra seria um neologismo; mas não é.

Termo do português arcaico, nonada pode ser utilizado para referir-se tanto a alguém (um “zé-ninguém”) como a algo (sem valor ou insignificante). De acordo com dicionários contemporâneos, vem de uma redução do latim “res non nata” e quer dizer literalmente “coisa de não nascido”. Seu significado pode variar de acordo com o contexto em que atua como adjetivo para “pessoas não nascidas em prole abastada” ou para assuntos de “menor importância ou valor”.

Nonada, não-nada, ninharia, bagatela. Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro refere-se aos primeiros “brasileiros” nascidos em território “nacional” como “nonadas”. Nem portugueses, nem índios ou africanos, ainda não eram brasileiros, porque o país ainda estava por ser inventado. Nonada: coisa de nenhum ser. Nonadas eram os despossuídos, os que eram considerados como mestiços e se viram forçados a inventar, ao longo de décadas, sua própria e plural identidade étnica (a do brasileiro) a partir de heranças miscigenadas e do encontro com a diversidade de geografias de cada localidade.

Em Grande Sertão: veredas, mais ao final da obra narrada e protagonizada por Riobaldo, que diz ao leitor/ouvinte/espectador:

“O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for… Existe é homem humano. Travessia.” (p.608)

Adotamos o termo Nonada e depois Nonata como eixo norteador para o trabalho que necessitamos desenvolver enquanto artistas-pesquisadores. Nonata ou Non Nata (o “não nascido”) fornece contornos para a trajetória que estamos percorrendo, buscando o Novo; os novos encontros, os novos trabalhos, as novas formas de auto expressar, resultando em obras ou ações singulares. Não massificar. Singularizar.

Nonata Cia de Arte para nós significa uma postura reativa a ser tomada diante da vida: não ao nada, não ao vazio de desejos e afetos, sim ao movimento, ao processo continuado de aprendizagens, na medida em que pouco pode representar bem mais que nada. Ainda que o nada seja parte essencial do fazer artístico, enquanto uma instância, um estado de passagem, “é preciso estar atento ao movimento”, como afirma Ítalo Calvino, em As cidades invisíveis (1972).

LEIA mais >>

Lendo por veredas

O Sr. Rosa e a cena da leitura

 
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Publicado por em 8 08America/Sao_Paulo setembro 08America/Sao_Paulo 2016 em GRANDE SERTÃO